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quinta-feira, maio 24

Adolpho Bloch


Toda trajetória de um dos maiores empresários que o nosso país já teve iniciou-se no dia 8 de outubro de 1908 em Jitomir, uma bela cidade russa banhada por seis rios e com uma população estimada naquela época em aproximadamente 100 mil habitantes. Naquele exato dia nascia Adolpho Bloch.

Em sua infância, Adolpho já convivia com as atividades comerciais. Sua família possuía uma litotipografia e uma fábrica de gelo em sua própria residência, inclusive a companhia de um tabelião, o qual o próprio Bloch devia muito a ele em sua maneira de ser. Mas a sua convivência não se restringia apenas aos serviços profissionais de sua família. Aos nove anos, Adolpho Bloch foi testemunha ocular da Revolução Russa, assistindo às diversas guerras, ao medo e ao pavor, razões levaram o então menino a se transformar em um adulto ainda naquela idade. Com o tratado de Brest-Litovsk, assinalando a paz entre a Rússia e a Alemanha, mais de dez milhões de soldados voltavam desordenadamente do front. Os habitantes de Jitomir, inclusive a família Bloch, foram brindadas com vários progroms promovidos pelo General Petliúra.

O primeiro pogrom do General Petliúra começou logo após a sua chegada a Jitomir, à frente de seu exército de cossacos, tão belos no palco, mas tão ferozes na vida real. A violência contra os judeus foi inaudita. A matança foi geral. Eram oito pessoas na sala da residência da família Bloch quando os cossacos surgiram, desembainhando seus sabres e exigindo ouro, jóias e objetos de valor como resgate da vida daqueles que se encontravam naquela sala. A mãe de Adolpho tinha apenas 45 anos de idade naquela ocasião e já estava preparada para a situação, entregando aos cossacos um porta-jóias. Ninguém foi massacrado naquele instante e local, onde o pequeno Adolpho quase não podia respirar de tanto ódio. E pensava: "se eu pudesse fazer faltar o ar, por um minuto que fosse, os cossacos morreriam e pagariam caro a violência que cometiam".

Daquele episódio, surgia naquele momento uma idéia que acompanhou Adolpho Bloch desde aquele dia sofrido: o ar representa Deus. Está em toda a parte, é invisível e tem vida. Nos livros religiosos sempre se diz que Deus é onipresente. E o ar também. Naquela ocasião, Adolpho andava lendo uma brochura sobre religião e nela se dizia que Jesus era judeu. E ele se indagava: "Como é que os homens de uma religião podiam perseguir a religião que era de Deus?".

Ainda em 1917, uma diligência do filho de um dos empregados da família Bloch chamado Baruch, os levou a Kiev, localizada a 120 Km de Jitomir. A viagem para a capital ucraniana durou sete dias, pois os caminhos estavam congestionados de soldados que voltavam das trinceiras. Naqueles dias, aconteceu um fato que Adolpho Bloch nunca esqueceu: sua mãe tinha os cabelos pretos. Quando chegou a Kiev, os seus cabelos estavam totalmente brancos. A tensão da viagem, o cuidado em proteger os filhos a haviam marcado para sempre.

Em Kiev, a família Bloch foram viver em um apartamento na Rua Pushkinskaia, 23, que seu pai havia comprado em 1914. E ali tiveram notícias de três fatos históricos: a paz em separado entre a Rússia e a Alemanha, a independência da Finlândia e a declaração de Lord Balfour, com a promessa da Inglaterra de estabelecer um lar judeu na Palestina. Foi também em Kiev que Adolpho Bloch assistiu à muitas revoluções e a mais de três pogroms. Em 1920, acompanhado pelo General Weygand, o marechal polonês Pilsudski entrou na cidade com 700 mil cavalarianos, levando semanas para ocupar a região.

Era véspera de Pessach, a páscoa judaica. As irmãs de Adolpho foram requisitadas para limpar o Bibikovsky Bulvár. Ele as acompanhava, ajudava pouco e estavam conformados com a situação. Foram até Duma (parlamento local) na Rua Krestiátik (a rua principal da cidade) e viram tremular a bandeira vermelha do novo regime que se instalava. Naquele ano, houve vinte revoluções, onde os Blochs ficaram habituados a ir à Duma para verificar qual a bandeira que estava no poder. Cada bandeira correspondia a uma nova constituição. Mudava tudo, e sempre para pior. Um sobrinho da mãe de Adolpho, chamado Ióssif, havia chegado da Sibéria. Era matemático e jornalista, trabalhando no jornal do Partido Comunista. Quando saiu um de seus artigos, o governo estava nas mãos do General Denikin, do Exército Branco, e ele pagou com a vida por suas idéias.

Tudo ficou difícil. Mas a família Bloch não deixava de ir, às noites, ao circo onde o famoso clown Durov exibia um número muito sugestivo: ratinhos brancos faziam fila e apanhavam um cartão numerado. Depois recebiam uma pequena cestinha que traziam na boca e eram levados a um enorme gato que representava a feroz Tcheká, a ancestral da KGB. Se não houvesse alguns grãos, o gato levava o ratinho para uma cela ao lado, pois se tratava de um burguês explorando o proletariado. O público gritava: "O que é teu é meu. O que é meu é meu!".

E assim, os Blochs iam dormir, depois de tomar chá feito de cascas de laranja. Eram jovens, suportando tudo aquilo com naturalidade, pois achavam que a vida era assim mesmo. Com a desapropriação de sua litotipografia e dos quiosques onde colocavam affiches, a vida se tornou ainda mais difícil.

Um episódio ocorrido com um irmão de Adolpho chamado Arnaldo tornou mais dramática a sua vida. Na grade da oficina da família Bloch, ao nível da calçada, e que dava para o setor onde ficavam as etiquetas de açúcar e balas que ali eram impressas, os dois irmãos improvisaram um trenó, usando as fitas de aço que prendiam os fardos de papel, e assim faziam deslisar o trenó de madeira facilmente na neve bastante concentrada, pois naquela época era inverno. De madrugada, ainda escuro, Adolpho e Arnaldo retiraram quatro ou cinco barras de ferro da grade, e como Adolpho era o mais magro, penetrou na oficina. Muitos pacotes foram pasasdos para o seu irmão, que os arrumava no trenó. Recolocaram as barras de ferro na grade e seguiram até o 4º Bulvár. Lá funcionava uma feira de trocas: trocavam pianos, tapetes, quadros, qualquer coisa por um pouco de batata, pepino, cebola, cenoura ou açúcar.

Quando chegaram em sua casa, no luxuoso apartamento onde as cortinas tinham vindo da Itália e agora estavam reduzidas a farrapos, a festa foi geral. O trenó estava escondido por um dos pedaços da cortina. Um cunhado dos dois irmãos soube da aventura e quis ter uma participação nos lucros. Durante a guerra, ele se tornara perito em jogar o Black Jack. Com a metade das fortunas acumuladas, ele prometia ganhar milhões de rublos, mas a proposta foi recusada.

A situação tornava-se dramática, quando os Blochs foram expulsos do apartamento e foram morar em um quarto do Bibikovsky Bulvár, junto à escola comercial onde Adolpho estudava. Ali viviam onze pessoas contando com ele mesmo. Assim se passaram alguns meses, onde Adolpho assistiu a mais dois progroms. E a sua mãe, uma iídiche mame, sempre dizendo que os tempos iam melhorar. Em meados de 1921, encontraram o seu Lipa, filho de Dr. Uger. A odisséia foi contada, bem como manifestado o desejo de emigrar. O pai da familha tinha um irmão que morava no Brasil, mais precisamento no Estado da Bahia. Ele mandou uma pessoa para orientar os filhos e assim embarcaram em um trem de carga, sentados no piso do vagão. Viajaram sete dias até chegar à estação anterior à de Odessa. Durante a viagem, os Blochs eram fiscalizados de duas em duas horas. Vinha uma patrulha que pediam a eles "os documentos", que eram relógios, pulseiras, brincos ou qualquer outro objeto de valor. Antes de chegarem ao fim da viagem, já não tinham qualquer "documento". A última patrulha que os fiscalizaram não encontrou mais nada. Bella, uma das irmãs de Adolpho, precipitou-se e ofereceu a um dos guardas o livro que estava lendo, um volume de poemas do poeta nacional russo Pushkin. A reação do soldado foi imediata: queria fuzilar Bella. Uma senhora que viajava ao lado de Bella salvou a situação, dando uma jóia ao soldado. Muitos anos depois, Adolpho Bloch descobriu a razão por que o soldado queria matar sua irmã: não se oferecia livro a um analfabeto.

Continua.
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Fonte: Rede Manchete

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