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quinta-feira, maio 17

As Pedras No Cemitério



Desci do ônibus na rodoviária de Leicester e olhei para os táxis ali parados.

Minha velha cidade de Leicester não é mais a mesma. Agora é uma cidade assolada pelo crime, e eu estava me sentindo pouco à vontade.

Não disse a ele que desejava ir para o setor judaico. “Antes segura que arrependida”, sempre fora o meu lema.Entrei no táxi e pedi que me levasse ao principal cemitério de Leicester, não muito distante dali.

Por algum motivo nossa seção jamais tinha sido sinalizada, mesmo antes que a nova onda de antissemitismo surgisse. Talvez se presumisse que numa comunidade tão pequena todos soubessem onde era o cemitério sem precisar de informação. Atualmente o website da sinagoga tem um mapa bastante claro que pode ser consultado, dirigindo os visitantes de fora da cidade para o canto separado. Eu apenas disse ao motorista para estacionar o carro ao longo do caminho bem cuidado e esperar – eu demoraria cerca de meia hora, disse a ele, pois estaria visitando túmulos da família.

Enquanto percorria a trilha que levava ao setor judaico, sentia-me perfeitamente à vontade. O local não era estranho para mim. Fazia essa jornada pelo menos uma vez ao ano, quando venho de Jerusalém para visitar minha mãe em Londres.


Era tudo que restava da minha conexão com essa movimentada cidade industrial nas Midlands, onde eu tinha morado por toda a infância até que entendi não haver futuro para uma adolescente religiosa numa comunidade pequena e na maior parte não-religiosa. Dali eu tinha ido direto para Israel, um produto do despertar causado pela Guerra dos Seis Dias, que tantos judeus acomodados tinham sentido.

Agora, muitos anos depois, eu, mãe e avó, abençoada com a oportunidade de criar uma família em Jerusalém, valorizava e me maravilhava por aquilo que deveria ter sido para meus pais criarem quatro filhas religiosas nos anos pós-guerra numa comunidade tão pequena.

Caminhei até o túmulo dos meus avós na seção mais antiga do cemitério. Poucas crianças foram abençoadas com dois pares de avós alemães após o Holocausto, mas isso era algo que eu nunca valorizara quando era jovem, e raramente se mencionava o Holocausto. Os pais do meu pai o tinham enviado para a Holanda, de onde mais tarde ele foi para a Inglaterra, e eles o seguiram pouco depois, felizmente não esperando até que fosse tarde demais.

Recitei alguns Salmos ao pé dos túmulos e me encaminhei para o túmulo de meu pai. Quando ele morrera, há 33 anos, eu tinha um filho, seu primeiro neto, e estava grávida de oito meses da minha primeira filha.

A cada vez que visitava seu túmulo eu falava a ele sobre sua crescente família. Há um costume de colocar uma pedra no túmulo, mas eu tinha criado meu costume pessoal, e colocava uma pedra para cada um dos seus netos, e agora também pelos bisnetos, dizendo o nome de cada um à medida que o fazia. Graças a D'us o número de pedras que coloco cresce a cada ano, e só para verificar se não tinha esquecido ninguém, contava-as ao final.

Dessa vez, como de costume comecei a colocar as pedras. Ao final contei-as… mas havia uma a mais. Contei novamente… ainda o mesmo. Então passei por elas todas uma a uma, dando nome a cada pedra, e então contei – mas ainda o mesmo resultado – uma pedra a mais.

De repente entendi a futilidade do meu comportamento repetitivo. O taxímetro estava rodando, e tudo que eu fazia era contar pedras. Então levantei-me e saí. Quando voltei para casa em Jerusalém, um dos primeiros telefonemas que recebi era da minha filha. “Mãe, tenho boas notícias para lhe dar…”

Não pude deixar de rir. De repente, tudo fazia sentido. O tempo todo eu pensava que era eu quem levava notícias da família para meu pai – quando na verdade ele estava tentando me dar uma pista sobre as boas notícias que me aguardavam em casa.


Ann Goldberg, mãe de sete filhos, avó de 20 e escritora freelance, nasceu no Reino Unido e mora em Jerusalém há 27 anos. Seus artigos e ensaios são publicados em todo o mundo e online.

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