Subscreva:

Pages

terça-feira, maio 8

O Mistério do Khazares


Um belo dia Bulan, rei dos khazares, teve um sonho no qual um anjo o exortou a deixar de ser pagão e adotar o Deus único.

Se assim fizesse, seus filhos gozariam de profunda benção, seus inimigos seriam derrotados e seu reinado duraria “até o fim do mundo”. O rei argumenta ao anjo que de coração seguiria seu conselho, mas seu povo tinha “mente pagã” e precisava da ajuda do príncipe em sua empreitada. O anjo então aparece para o príncipe em sonho e parece convencê-lo. A seguir o rei é novamente visitado pelo anjo em sonho, que dessa vez pede para que o rei construa “um local de adoração em que possa habitar o Senhor”. O rei informa ao anjo que não tem recursos para tanto. O anjo tranqüiliza o rei dizendo que ele deve conduzir suas tropas para um país inimigo, “onde o aguarda um tesouro de prata e outro de ouro”.

Com os tesouros em mãos e os pedidos do anjo satisfeitos, faltava agora adotar uma religião. O rei então mandou buscar um cristão e um muçulmano, já havia um judeu em sua corte. Depois de dias de debate dispersou os três e chamou-os separadamente. Ao cristão perguntou qual religião estaria mais próxima da verdade depois da sua, e o cristão respondeu que o judaísmo. Depois chamou o muçulmano e fez a mesma pergunta, e obteve a mesma resposta. Ao final, Bulan, o rei dos khazares converteu a si e a todo seu povo ao judaísmo.

A história acima parece um conto retirado de alguma edição de As mil e uma noites ou livro similar, mas não é. Trata-se de um resumo de parte de uma troca de cartas intitulada Correspondência Khazar, em que José, rei dos khazares, explica a Hasdai Ibn Shaprut, o ministro chefe-judeu do califa de Córdoba, como se deu a conversão de seu povo à fé judaica. Os historiadores acreditam que essa correspondência tenha sido escrita entre os anos 954 e 961 EC. Shaprut se mostra maravilhado com a idéia de existir na Diáspora um reino judeu independente e ao final de sua carta, escreve de forma emocionada: “Sinto-me obrigado a conhecer a verdade, saber se realmente existe um lugar neste mundo em que o torturado Israel possa governar-se sozinho, onde não seja submisso a ninguém”. É o amargor do Exílio em plena Época de Ouro dos judeus na Espanha.

O reino Khazar realmente existiu, nos limites entre o Ocidente e o Oriente, do Cáucaso ao Volga, entre os mares Negro e Cáspio. E sua conversão ao judaísmo se deu por motivos mais sólidos do que os que estão relatados pelo rei José, tentando descrever, 200 anos depois, como se deu a conversão de seus ancestrais.
A correspondência aludida é a principal fonte judaica relativa à conversão dos khazares, que buscaram e encontraram no judaísmo uma neutralidade que possibilitou manterem-se fortes no duro jogo de conquistas e dominações medievais. Com a palavra o autor do livro, Arthur Koestler, autor inglês de origem húngara: “No início do século VIII, o mundo encontrava-se polarizado entre as duas superpotências cristã e islãmica. Suas doutrinas ideológicas estavam soldadas na política de poder conduzidos pelos métodos clássicos da propaganda, ações subversivas e conquistas militares. O Império Khazar representava uma ‘terceira força’, que mostrara estar à altura das outras duas, tanto como adversário, quanto como aliado. Mas ele não podia manter sua independência caso aceitasse o Cristianismo ou o Islã – pois a primeira escolha o subordinaria imediatamente à autoridade do imperador romano e a segunda, ao califado de Bagdá ... Ao mesmo tempo, os estreitos contatos com Bizâncio e com o Califado mostraram aos khazares que o seu xamanismo primitivo era não só bárbaro e ultrapassado, em comparação às grandes religiões monoteístas, como também incapaz de delegar aos seus líderes a mesma autoridade espiritual e jurídica de que os governantes daquelas duas potências teocráticas do mundo – o califa e o imperador”.


A conversão, na realidade, apesar dos sonhos do rei Bulan, foi uma grande jogada estratégica de sobrevivência e manutenção de poder. E é claro que não podemos imaginar que um decreto real simplesmente tornaria os khazares judeus de um dia para o outro. O livro demonstra que o convívio dos khazares com “seus judeus”, esses em sua maior parte expulsos do mundo cristão pela intolerância bem marcada de uma sucessão de agressivos imperadores bizantinos, tornou possível a adoção da fé dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó. Os khazares, notadamente múltiplos em sua formação étnica e cultural, receberam bem os judeus, e aprenderam a apreciar as leis mosaicas a ponto de entregaram-se a elas plenamente.

O ponto polêmico dessa história é que o autor, apoiado em farta pesquisa e documentação, apresenta a possibilidade real de que após a fragmentação do império Khazar, engolido pelo furacão Gengis Kan, seu povo tenha migrado para lugares que hoje conhecemos como Polônia, Hungria e Lituânia, dando origem aos askenazim. Daí depreendemos que os askenazim então não seriam semitas, e sim caucasianos.
Para entendermos melhor essa história fascinante vale muito a pena ler o livro. Entretanto ele encontra-se esgotado e só pode ser adquirido em sebos e lugares alternativos.


Fica aqui um pedido para que o khazares do Rio de Janeiro reeditem o livro o mais breve possível.
Os khazares – A 13ª tribo e as origens do judaísmo moderno
Arthur Koestler
256 páginas
Editora: Relume Dumará

Original - Eduardo Pedroso - Ideias do Edu. Março 2008

0 comentários: