Subscreva:

Pages

quarta-feira, junho 27

Morrer Jovem


Morrer jovem é muito esquisito. É de uma ironia sem graça. De um espanto em que não cabem argumentos. Morrer jovem é muito estranho. Mesmo porque juventude é coisa relativa, num mundo em que Einstein já não está aqui para explicar.

Morrer jovem é como interromper uma música. É como cortar um filme ao meio, rasgar as páginas de um livro pra não se saber o final. É roubar de cena um ator em seu momento mais fantástico, em seu grande ato, sua cena mais brilhante. Porque morrer jovem é injusto. Injusto com as leis da natureza. Injusto com os que partem. Muito mais injusto com os que ficam. Pois saudade é morte lenta, passo-a-passo, emudecida, olhos cerrados, quase sem respirar.

Quem morre jovem não tem o que dizer. Vai calado, sem dizer palavra, num silêncio intrigante. Não tem quase história pra contar, não tem quase passado, não terá futuro. Quem morre jovem, seja qual for a forma, tem morte súbita. Porque é de repente se morrer jovem. Fica aquela sensação de poder ter feito mais. Poder ter dito mais. Aquela frustração de quem perdeu o jogo de sua vida.

Morrer jovem é contabilizar ao contrário. É descontar, é subtrair somente. É contar os abraços que deixou de abraçar, os beijos que não deu, as obras que não realizou, os sonhos que não viveu, a formatura que não aconteceu, o carro que queria e não veio, a namorada que amava demais da conta e que não deu conta de que você se foi. Morrer jovem é mais triste, porque a velhice é o que se espera e a juventude apenas vai acontecendo e a gente sempre se achando bem, se sentindo forte, audaz, capaz, feliz. Quando se morre jovem, se desdiz tudo o que tinha de haver. É a contramão da história. A volta de uma viagem que nem sequer chegou a existir.

Morrer jovem é não ter tempo. Não conseguir conhecer a beleza, não dar satisfação, não explicar, não dar até logo, ir direto ao adeus. Morrer jovem é mal educado, é nem pedir licença para levantar e sair. Morrer jovem é não aparecer no compromisso, é marcar a reunião e não ir. É fazer todo mundo de bobo. Dar um drible nos amigos, nos parentes, no cachorro. Morrer jovem é faltar a tudo que estava na agenda e se perdeu no ar. Morrer jovem é deixar para trás. É uma ida sem volta. Uma deslealdade. É ir a uma guerra e nunca mais voltar. É esperar por quem não vem. Morrer jovem é uma traição da vida em conluio com a morte. É uma armação para desesperar mães. É um desafio. Um fustigo. Morrer jovem é um deboche abominável.


Original: Jason Stone. Jornalista e publicitário brasileiro.

Publicado em 19 de Março de 2008

1 comentários:

Marcelo Yuang disse...

Muito legal o texto e eu acho que retrata bem o que eu to sentindo.

Sei lá, é tao estranho dar de cara com a morte sem ter vivido muito.